Adir acompanhado da filha e do genro, Edcarlos Jesus – também investigado pela Cascalhos de Areia.
A primeira fase da operação Cascalhos de Areia, deflagrada no último dia 15, pode levar a investigação a desvendar verdadeiro ‘laranjal em família’ para ocultar os donos e operadores do suposto esquema de corrupção que teria desviado milhões em contratos de locação de equipamentos e obras de cascalhamento em Campo Grande.
Adir Paulino Fernandes, que foi preso com uma arma ilegal no dia do cumprimento dos mandados judiciais, acabou entregando os indícios que praticamente comprovam a condição de ‘laranja’. Ele admitiu à Justiça que vive com a renda da venda de produtos artesanais como queijo.
No entanto, figura como sócio-administrador da JR Comércio e Serviços Ltda, que conseguiu contratos milionários com a Prefeitura de Campo Grande enquanto Marquinhos Trad (PSD) era prefeito.
Além disso, o vendedor de queijos é sogro de Edcarlos Jesus da Silva, também investigado pela Operação Cascalhos de Areia. A empresa que, no papel, pertence a Adir, não tem sequer espaço na sede para todos os veículos e equipamentos que supostamente alugou à prefeitura durante a gestão de Marquinhos.
A suspeita é de que essas locações nunca existiram.
Enquanto isso, o genro de Adir, sócio de Paulo Henrique da Silva Maciel, tem mais de R$ 37 milhões em contratos da Engenex Construções e Serviços (CNPJ 14.157.791/0001-72) com a Prefeitura de Campo Grande.
Em 2018, enquanto era de Mamed Rahim, a Engenex ganhou dois contratos com a Prefeitura de Campo Grande na gestão de Marquinhos Trad (PSD).
O primeiro contrato da Engenex, hoje com valor de R$ 14.542.150,59, tem Ariel Dittmar Raghiant atuando como ‘responsável técnico’, na região do Imbirussu, bem como no segundo contrato, com valor de R$ 22.631.181,87, na região do Lagoa. Ambos têm como objetivo a conservação das vias.
Ainda conforme o Portal da Transparência da Prefeitura de Campo Grande, os contratos foram assinados pelo então secretário de Infraestrutura e Serviços Públicos, Rudi Fiorese.
Rudi, que atualmente atua na Secretaria de Obras do Governo de Mato Grosso do Sul, justamente lidando com contratos de obras públicas, também teve o celular apreendido na operação.
Assim, os parentes estão entre os 17 alvos iniciais da investigação do Gecoc (Grupo Especial de Combate à Corrupção) e Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado).
Com os R$ 224 milhões em contratos da JR Comércio e Serviços com o poder público, a família de Adir e Edcarlos tem mais de R$ 261 milhões apenas de contratações com a Prefeitura de Campo Grande.
A primeira fase da Operação Cascalhos de Areia já reuniu indícios que apontam para suposta rede de empreiteiras nas mãos de laranjas e supostamente usadas por uma quadrilha para desviar dinheiro da Prefeitura de Campo Grande, com contratos firmados durante a gestão de Marquinhos.
Os indícios colocam André Luis dos Santos, o Patrola, no foco da investigação. Ele é apontado como verdadeiro operador das empresas investigadas.
As informações apuradas mostram que o empreiteiro teria acesso facilitado pela administração municipal a licitações durante a gestão de Trad, e usaria a rede de empreiteiras nas mãos de laranjas para desviar milhões dos cofres municipais com obras que nunca teriam sido realizadas e seriam difíceis de ‘conferir’.
Mesmo alegando renda equivalente a menos de meio por cento do valor total de contratos fechados pela JR Comércio e Serviços (CNPJ 13.952.054/0001-07) com a Prefeitura, Adir acabou preso durante a operação.
Foi então que afirmou aos policiais que possui a filha maior de idade, justamente a companheira de Edcarlos e que reside na Chácara Santa Dirce.
O chacareiro também contou sobre a rotina de trabalho, que destoa da vida de quem administra uma empresa com contratos milionários. Após o pagamento de fiança, Adir foi liberado no mesmo dia.
Em um processo de partilha de bens, Adir apresentou um holerite com renda de R$ 2 mil, apesar de constar na folha de pagamento seu nome na função de sócio-administrador da empresa com faturamento milionário.
O comprovante é uma tentativa do suposto empreiteiro, que detém contratos milionários, de provar hipossuficiência econômica no processo. Ou seja, o próprio dono da JR disse ao judiciário que é pobre.
Adir é o representante da família na partilha de bens do pai, que faleceu no Hospital Regional de Mato Grosso do Sul. Eles aguardam na justiça pela divisão de um imóvel no Bairro Jockey Club, avaliado em R$ 129 mil, e pela chácara onde acabou detido na operação Cascalhos de Areia.
Detalhe na declaração de Adir levou o Jornal Midiamax até a ligação entre o vendedor de queijos e o possível esquema de laranjas. Citada pelo pai, Kathiuce Marques Fernandes é professora contratada como professora da Rede Municipal de Campo Grande desde 2018.
Conforme o Portal da Transparência de Campo Grande, Kathiuce Marques recebe R$ 2,9 mil por mês, após descontos obrigatórios. Além disso, já foi sócia da K.A.B.E Comercio de Alimentos Ltda (CNPJ 37.596.223/0001-73), empresa de frios na Avenida Bom Pastor com capital social declarado em R$ 100 mil e já encerrada junto à Receita Federal.
Nas redes sociais, a professora mostra a rotina de atleta de beach tênis, com a família e o esposo. Sem mencionar o nome ou realizar marcação do perfil de Edcarlos, Kathiuce frequentemente publica declarações para o marido. Contudo, vez ou outra alguém deixa escapar nos comentários o nome de Edcarlos.
Adir aparece nas redes sociais da filha, que marca o pai em fotos de Dia dos Pais e aniversários. Todos aparecem juntos em comemorações de família.
Edcarlos levantou suspeita de esquema de laranjas em empreiteiras milionárias de Campo Grande após comprar a Engenex por R$ 950 mil de Mamed Dib Rahim. O valor pago por ele e Paulo Henrique foi 39 vezes menor do que o total de contratos da empresa com o município.
Além da implicação nas suspeitas de corrupção, sogro e genro possuem outra coisa em comum: o advogado. Paulo Ernesto Valli representou Adir na diligência do dia 15, quando o senhor de 66 anos foi preso durante mandado de busca e apreensão.
Ao Jornal Midiamax, o advogado afirmou que não trabalha atualmente para a família. “Fui chamado porque ele foi detido lá em Terenos, mas fui lá só acompanhar, mas não sou não [advogado da família]”.
Questionado sobre a investigação, Valli disse que ainda não foi acionado por Edcarlos ou Adir. “Não sei se vou entrar, posso até entrar, mas ainda não fui procurado para entrar”, explicou. Então, disse que não poderia responder pelos investigados.
Como não constituiu advogado, Adir teve a defesa assumida pela Defensoria Pública nesta terça-feira (20).
O Jornal Midiamax tentou contato com Adir por meio de ligações e mensagens, devidamente documentadas. Além disso, acionou também Kathiuce. Não houve respostas até a publicação desta matéria. Porém, o espaço segue aberto para manifestações.
Uma equipe do Jornal esteve nos endereços de Edcarlos e Paulo Henrique, imóveis na Vila Santo Eugênio e Vila Sobrinho, mas os empresários não estavam nos locais.
Marquinhos Trad foi novamente procurado pela reportagem do Jornal Midiamax nesta quarta-feira (20) para comentar se conhece Edcarlos e as movimentações suspeitas no quadro societário de empreiteiras que contratou quando era prefeito de Campo Grande.
Em ligação documentada, Marquinhos negou as suspeitas da investigação, mas admitiu que é ‘apenas amigo dos empreiteiros’, mas que não mantém nenhuma relação de negócios com nenhum deles. Ao ser questionado sobre Edcarlos, Marquinhos negou sequer conhecer o empresário.
Anteriormente, questionado se acompanhava a execução dos contratos de cascalhamento em bairros sem asfalto enquanto prefeito, Marquinhos desacreditou a denúncia e citou contratos do Governo de MS.
“Tudo pregão eletrônico. Não existe. Se você ler de fato a denúncia anônima de 8 linhas eles falam da execução, não da licitação. Além disso, faz o levantamento dos valores de contrato que ele tem ou teve durante meus 5 anos e o que ele tem no Governo do Estado. Por que vocês não fazem isso?”, desconversou Trad.
No entanto, ao contrário do que afirmou o ex-prefeito, o Jornal Midiamax divulga continuadamente informações sobre contratos públicos em Mato Grosso do Sul. O Jornal é pioneiro na cobertura profissional de atos oficiais e é um dos primeiros jornais brasileiros a criar uma editoria específica para o tema: Transparência.
Os contratos com a Prefeitura de Campo Grande levaram a JR Comércio e Serviços Ltda até a investigação sobre corrupção. Contudo, não são as únicas contratações milionárias fechadas pela empresa de maquinários.
Em contratos disponíveis no Portal da Transparência Federal, a empresa aparece com mais de R$ 1,1 milhão em contratações que atendem diversos ministérios. Também consta que a JR recebeu mais de R$ 3,6 milhões em recursos do Governo Federal.
Apesar de ser implicada na ação que busca irregularidades em empreiteiras, a JR Comércio e Serviços fecha contratos para fornecer diversos produtos para outras prefeituras.
É o caso da Prefeitura de Corumbá, que contratou a empresa para compra de bermudas, camisetas e até cuecas para atender a Secretaria Municipal de Assistência Social em 2018.
Em 2017, foi homologada para fornecer ferramentas e material de proteção individual para a Prefeitura de Aquidauana. Nesta ocasião, quem representou a empresa foi Jefferson Benites Cardoso, que também assinou o contrato inicial dos R$ 219 milhões com a Prefeitura de Campo Grande.
Jefferson é sócio-administrador da J B Cardoso Serviço de Transporte, com CNPJ em Campo Grande (17.918.110/0001-30) e em Penedo (AL) (17.918.110/0002-10). Na Capital de MS, a empresa tem mais de R$ 1,8 mil em contratos com a Prefeitura.
Vale registrar que a JR Comércio e Serviços também foi representada legalmente por Joelson Cardoso. Por fim, em 2019 a empresa foi impedida pela DPU (Defensoria Pública da União) de licitar ou fechar contratos com a União.
Na época, foram encontradas irregularidades em processo de locação de veículos para atender a Defensoria Pública da União em Natal (RN).
Contratada para locar 303 veículos para a Prefeitura de Campo Grande por R$ 219 milhões, a JR Comércio e Serviços Ltda não tem espaço para armazenar tantos maquinários. O Jornal Midiamax visitou dois dos endereços da empresa e além de não constarem escritório da empresa, os locais não comportam tamanha frota.
Em 2017, a JR Comércio e Serviços Ltda assinou o contrato de R$ 219 milhões com a Prefeitura alegando que o escritório da empresa ficava em galeria na rua Spipe Calarge, em Campo Grande. Contudo, nos registros comerciais o endereço atualizado é outro. Vale destacar que a atualização dos dados da empresa foi feita em abril de 2023.
Ao se dirigir até o endereço, que fica na rua da Divisão, a equipe do Jornal Midiamax se deparou com uma lanchonete. Segundo os vizinhos do comércio, o estabelecimento de alimentação está no local há mais de 15 anos.
Um dos trabalhadores da lanchonete estava no pátio da empresa e garantiu que o estabelecimento funciona no mesmo endereço “desde quando era tudo terra, sem asfalto”.
Lembra do primeiro endereço citado? O Jornal Midiamax também foi até a galeria da Spipe Calarge, endereço registrado em 2017 pela JR Comércio e Serviços e que ainda está disponível no Google Maps.
No conjunto comercial, trabalhadores afirmaram que a empreiteira realmente tinha escritório no local. “Mas faz muito tempo, há mais de anos que o rapaz da informática está ali”, disse um dos vendedores da galeria.
Com mais de 10 pontos comerciais, com lojas que vão de roupas até produtos agrícolas, o espaço não guarda marcas da JR. O mesmo espaço é atualmente locado para uma empresa de informática.
A equipe de reportagem, o dono da empresa afirmou que está no ponto há quase dois anos. “Antes até era uma loja de jeans”, comentou. Assim, garantiu que nunca teve contato com Adir ou qualquer integrante da empresa.
Segundo o Portal da Transparência, o contrato de R$ 219 milhões teve início em 10 de julho de 2017 e segue vigente até 8 de agosto deste ano.
A locação de maquinários para o município custou exatos R$ 219.738.348,88. Conforme os registros da Prefeitura, a empresa faz a locação de máquinas pesadas, caminhões, veículos leves e equipamentos, incluindo fornecimento combustível, operadores, motoristas, alimentação, traslado, manutenção de todo o maquinário e demais custos.
Então, para suprir as necessidades do município a lista de veículos que a empresa precisa ter disponível é longa. O anexo ao edital do pregão presencial nº 108/2016 previa 303 máquinas.
São elas:
No entanto, os dois endereços citados pelo Jornal Midiamax não comportam uma frota de 303 veículos. Ainda que existam terrenos ao lado da galeria comercial declarada como endereço da JR Comércio e Serviços em 2017, o espaço não é suficiente para mais de 300 veículos.
Já na lanchonete que funciona no local atualizado no cadastro comercial da empresa existe um quintal com bom espaço. Mas se trata de uma frota com 303 veículos, entre maquinários pesados e vans para 18 pessoas. Ou seja, não caberiam no perímetro da lanchonete.
Ainda que as máquinas estivessem nas ruas de Campo Grande, seria fácil fazer um simples trajeto pela cidade e encontrar alguns veículos da empresa. O que não foi o caso em uma viagem de aproximadamente 1h para visita dos locais apurados pela reportagem.
Edcarlos Jesus da Silva também configura como proprietário da MS Brasil Comércio e Serviços Ltda (CNPJ 14.335.163/0001-30). Em 2020, ele foi denunciado com a empresa, por suspeita de superfaturamento em contrato com a Prefeitura de Paranhos.
Na ação civil pública movida pelo MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), foi apontado que os vereadores da cidade, em 2018, perceberam a suposta fraude. As licitações diziam respeito a compra de livros e kits escolares.
Assim, Edcarlos foi contratado para entregar kits escolares com materiais como lápis de cor, giz de cera, cola, entre outros. No entanto, foram identificados produtos com valores 15% e até 51% acima do valor de mercado.
Na ação consta denúncia de prejuízo superior a R$ 100 mil ao município. Edcarlos foi denunciado por enriquecimento ilícito, dos crimes de improbidade administrativa, bem como a empresa.
Ainda não há decisão sobre o recebimento da ação. Atualmente, a MS Brasil Comércio e Serviços tem três contratos com a Prefeitura de Campo Grande. O primeiro foi firmado em 2017, também na gestão de Marquinhos Trad.
Esse contrato segue em vigor e trata da contratação de serviço para locação de máquinas pesadas, caminhões, veículos leves e equipamentos. Atualmente, o valor total é de R$ 108.079.795,25.
Outros dois contratos para locação de máquinas foram feitos com a empresa em fevereiro e junho de 2022. Ambos têm valor semelhante, de R$ 4.649.039,52. Todos os contratos foram feitos por meio da Sisep (Secretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos).
O Midiamax consultou dados do Portal da Transparência do Governo do Estado e verificou que os primeiros contratos com a M D Rahim foram assinados em 2017. Naquele ano, a empresa levou R$ 1.467.060,65.
Já em 2018 foi firmado contrato com a Sedhast (Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho), para aquisição de cestas básicas, para atender a população indígena do Estado de Mato Grosso do Sul.
O mesmo contrato foi renovado e segue vigente até este ano de 2023. Desde então, são mais de R$ 59 milhões em contratos com a M D Rahim Comércio e Serviços. Há outros clientes públicos em Mato Grosso do Sul. Em 2019, a empresa também firmou contrato com a Prefeitura de Ponta Porã.
Na época, o contrato foi assinado pelo então prefeito e Mamed Dib Rahim. O contrato para aquisição de 3 mil cestas básicas foi feito em valor total de R$ 314.850,00, com valor unitário de R$ 104,95.
Por:Itanoticiasms.com
Credito: Midiamax
(Foto: Reprodução/Redes Sociais)
(Foto: Kisie Ainoã/Midiamax)
(Foto: Kisie Ainoã/Midiamax e Google Maps)